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2003-08-06

 
Faróis da curiosidade

Era ainda muito miúdo quando visitei pela primeira vez um farol. Fui com os meus
pais num longo passeio de Verão, sem propósito definido, vagueando de um lado
para o outro da costa. A meio da tarde, parámos junto à entrada de um farol.
Saímos do carro. Os adultos da família encetaram uma longa conversa com um homem
que se encontrava a descansar, junto ao portão. A nós, os não adultos, a conversa pareceu interminável. Finalmente chamaram-nos. Íamos visitar o farol.Já não me lembro do local. Mas lembro-me de coisas muito mais extraordinárias. Lembro-me de umas escadas em caracol que davam acesso a uma pequena cabina onde estava uma lâmpada gigantesca. E lembro-me de um curioso sistema óptico onde aparecia uma lente monumental, recortada como uma escada, com anéis concêntricos de prismas. Era uma lente de Fresnel.Trata-se de uma invenção dos princípios do século XIX, altura em que era mais importante que nunca que os faróis pudessem guiar sistematicamente os navios ao longo da costa. O problema que então se colocava era o da concentração da luz. Em 1781 o físico suíço Aimé Argand (1755-1803) tinha já inventado uma lâmpada, parecida com os candeeiros de petróleo posteriores, onde a chama era intensa porque o pavio desenhava um círculo quase completo e concentrava a luz no interior de um tubo de vidro. Depois, estudaram-se sistemas de lentes que focavam a luz da chama e faziam viajar o sinal luminoso em feixes concentrados. Esses sistemas, contudo, eram muito caros, pois as lentes tinham de ser gigantescas, espessas e de bom vidro, para serem o mais transparentes possível. Em 1822, Augustin Jean Fresnel (1788-1827) resolveu o problema. Inventou um sistema de lentes mais ligeiro e económico. Foi o maior progresso na tecnologia dos faróis desde a Antiguidade.Só mais tarde, quando estudei um pouco de óptica, percebi o princípio das lentes de Fresnel. A minha visita ao farol não foi uma lição de Física; foi apenas um aperitivo visual. Mas acho que tudo se encaixou melhor na minha cabeça por ter visto aquele farol.Devo a visita à persistência dos meus pais e à simpatia de um faroleiro anónimo, que talvez ficasse contente se hoje pudesse ler estas linhas e identificar o miúdo que se passeou naquela tarde pela cabina do seu farol. Anos mais tarde, tentei passar o testemunho e levar os meus filhos a visitar um farol. Parei algures ao longo da costa e tentei convencer o faroleiro. Tive menos sorte do que os meus pais tinham tido. Deparei-me com uma figura menos simpática, que me disse que só abriria as portas por ordem expressa da Direcção Geral dos Faróis!Depois disso tive várias discussões com gente responsável e com gente irresponsável. Muitos achavam que abrir os faróis ao público era inútil e perigoso. Falavam dos estragos que as pessoas podiam fazer, da necessidade de preservar o património, da falta de recursos, da ignorância do público... Nunca percebi essa mentalidade fechada, que só vê desculpas em tudo e que não percebe que o interesse do público é o maior aliado do património. Tristezas...Esta terça-feira, contudo, tive um prazer imenso. Fui ao cabo Espichel, à inauguração do programa «Ciência Viva nos Faróis». Este Verão, tal como no anterior, milhares de pessoas vão poder visitar 18 faróis portugueses, num conjunto de 76 acções espalhadas ao longo da costa.
Por iniciativa da Ciência Viva e da Direcção de Faróis, há muitos miúdos e graúdos que vão ter um contacto novo com a ciência.


Enviado pela Raquel Crato

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