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2003-11-14

 
Casablanca


Mal a noite cai
corro de sombra em sombra
até chegar ao fumo dos cigarros
do café do Rick.

O olho do Peter Lorre
vai finalmente descolar-se
e cair no copo de champanhe
da polaca deslumbrante
que me quer vender os anéis
da sua transatlântica tragédia.

Há barcos encalhados
à porta da roleta
e peixes a dormir nos olhos
do patrão.

A memória vai
no fumo de um cigarro.
Sam
a tua voz é um realejo
um beijo é sempre um beijo
um beijo
e nada mais

A orquestra torna-se
de súbito
uma agulha
e as putas regressam
à mais pura virgindade
como pássaros de fogo
a subir na vertical.

Aqui a Marselhesa ainda existe
e mesmo que os nazis
sejam só de fancaria
eu estou de pé
de punho erguido e alma
em fogo
até ter a certeza de que todos eles
partiram magoados.

Deixa-te ficar,
meu caro Rick.
O avião vai partir
mas deixa-te ficar.
A miúda vai-se embora
toca-lhe nos olhos
Ingrid
condu-la docemente ao nevoeiro.
Só um louco
não se agarra aos seus pés
e se deixa arrastar pelo ar
até Lisboa.
Mas deixa-te ficar no celulóide
Rick
Deixa-te ficar a preto e branco
porque aqui
é o último lugar do mundo
onde ainda é possível começar
a beautiful friendship.

JOSÉ FANHA
(Elogio dos peixes das pedras e dos simples)

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