<$BlogRSDUrl$>

2003-12-21

 
A POESIA DE NUNO JÚDICE

A poesia de Nuno Júdice surgiu pela primeira vez nas páginas do juvenil do Diário de Lisboa em 1967, onde tantos poetas hoje consagrados, viram publicados pela primeira vez os seus poemas. Nuno Júdice um poeta único no nosso panorama poético tem a sua obra reunida num grosso volume abrangendo o período 1967-2000, depois surgiram "Pedro Lembrando Inês", Cartografia de Emoções" e "O Estado dos Campos".
Aqui fica um dos poemas...do meu poeta favorito.

RETRATO DE MULHER À LUZ DA TARDE

O poeta épico e o poeta dramático, disse
Goethe, estão submetidos ás mesmas leis gerais. No
entanto, se cada um deles conduz o poema
até ao seu desfecho sem uma hesitação,
ou antes, limitando a dúvida ao que se passa
no espírito quando o amor, com a sua certeira
seta, o fere, já as palavras são diversas. Não é o mesmo
descrever a emoção com as imagens que ela sugere,
ou transformá-la num discurso lógico, que obriga
quem o faz a utilizar o raciocínio, deixando
para depois o sentimento. A construção é o mais
simples, neste processo, desde que o princípio
corresponda à verdade que faz parte da vida
de quem ama. O difícil é transpor a ponte
que nos conduz ao outro: refiro-me a ti, que
me esperas desse lado, por trás das árvores
e das flores do jardim, com o sol a iluminar-te
o rosto. É uma imagem simples: retrato
de mulher à luz da tarde. Mas sinto-me obrigado
a dar uma outra dimensão à figura humana,
puxando-a para o convívio da minha alma. Aí
as coisas ganham a profundidade de uma relação
abstracta, despida dos aspectos materiais, e
dos obstáculos que a realidade nos coloca. A
perfeição nasce das frases que o verso trabalha, com
o ritmo de uma respiração serena. Por fim, a
imagem adquire uma beleza própria, que foge
à própria fonte. E ao vê-la, pergunto: ainda és tu? Ou
foste roubada a ti própria por esta luz com que o poema
te envolve? Mas deixo-me de questões teóricas - e
atravesso a ponte, deixando para trás imagens e
discursos. É que do outro lado as leis gerais não
contam, e são-me indiferentes os problemas que se
colocam ao poeta, épico ou dramático. Puxo-te
pela mão - e saímos da moldura, para dentro da vida.

Nuno Júdice

in "O Estado dos Campos"

Ed."Dom Quixote"

PS- A poesia de Nuno Júdice é obigatória na estante de todos os poetas

Comments: Enviar um comentário

<< Home