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2004-01-22

 


As cidades

Ponderei no que poderia escrever sobre as cidades .... e não tenho dúvidas que tenho de falar da minha cidade: Évora! Não por puro bairrismo; mas é a cidade onde nasci e onde tenho vivido toda a minha existência.
Em Évora eu cresci, amei, estudei, fiz loucuras e descobertas interessantes. Pelas calçadas das suas ruas carpi as minhas mágoas, pulei de alegria e satisfação em momentos especiais, aqui iniciei os meus estudos de liberdade e pisei um palco; tive muitos encontros na Praça de Geraldo onde geralmente as pessoas se encontram; passei muitas horas na Biblioteca Pública e deambuelei pelas igrejas e conventos. As pessoas passaram, mas os lugares ficaram e não me imagino a viver numa outra cidade!
E deixo-vos aqui dois poemas sobre a minha cidade com os quais muito me identifico :



EVORA

Évora! Ruas ermas sobre os céus
Cor de violetas roxas… Ruas frades
Pedindo em triste penitência a Deus
Que nos perdoe as míseras vaidades!

Tenho em vão corrido tantas cidades!
E só aqui recordo os beijos teus,
E só aqui eu sinto que são meus
Os sonhos que sonhei noutras idades!

Évora! …O teu olhar… o teu perfil…
Tua boca sinuosa, um mês de Abril,
Que o coração no peito me alvoroça!

… Em cada viela o vulto dum fantasma…
E a minh alma soturna escuta e pasma …
E sente-se passar menina e moça…



Florbela Espanca



Canção a Évora


Évora que não és minha
E que eu gostava de ter:
Moira cativa e rainha
Que não pude converter!


Não tenho nas minhas veias
Nem o templo de Diana,
Nem a Praça de Geraldo,
Nem a brancura redonda
Da água das tuas fontes…


Tenho montes,
Vinho maduro e granito,
E esta certeza de ser
Filho de Cristo e de Judas.

Ah! Se eu pudesse mudar,
Já que tu, moira, não mudas!...


Miguel Torga
1/4/1946




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