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2004-01-22

 
A Cidade

Vivo na cidade porque gosto de me sentir incógnito entre a multidão. Dizia eu isso há muitos anos atrás. Era então quando se manifestava o antagonismo com um meio pequeno, onde vivera e em que toda a gente se conhecia. As coscuvilheiras das janelas, debruçadas sobre o seu pequeno Mundo, faziam chegar, nunca soube porque artes, a notícia das minhas peripécias nocturnas a casa antes do meu regresso. Porque não havia telefone e o passa-palavra estava impedido por uma ponte e mais uns bons metros de estrada. Embora nunca tenha ligado muito a isso, senti-me muito mais livre e senhor de mim mesmo na Capital, descobrindo os novos horizontes.
Hoje, não sei se é assim. Vivo na Cidade como se não vivesse. Faço um percurso diário periférico e volto-lhe costas sempre que posso. Tento dosear a “baixa” como medicamento de recurso e inevitável. Reconheço as vantagens das grandes superfícies comerciais, mas sei, quase sempre, à partida, onde está o que quero mesmo. No hipermercado levo cerca de meia hora nas compras da semana. As promoções passam-me, quase sempre, despercebidas. No ano passado, sofri a vergonha de me terem telefonado a pedir explicações por ter respondido a um inquérito em que afirmava não ter notado o “Festival da Páscoa” ou outra coisa parecida, que até tinha milhares de ovos e coelhinhos. Não vi mesmo, mas compreendo o desespero deles com pessoas assim como eu.


Mas não respondi à minha própria dúvida. Tento pensar como seria viver longe da cidade, num qualquer lugar. Talvez até a poucos quilómetros da Capital. Mas nem imagino. Sou dos acérrimos defensores da descentralização e da criação de valências locais. Vocifero contra os engarrafamentos, contra a poluição, contra a perda de tempo e do tempo não vivido, mas não me imagino a viver fora da Cidade. É uma contradição, aceito. É como sentir, ao mesmo tempo, que estou longe e perto, com tudo à mão. É como estar isolado, sabendo que posso ter um banho de multidão anónima, que me pode apetecer cumprimentar, mas não tenho de o fazer e muito menos de inventar conversas de ocasião. Coisas de ilhéu!...
(A foto é de uma rua estreita para os lados de Alcântara)

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