2004-02-05
13 de Dezembro
…
…um dia começarei a redigir um diário, mas ainda é cedo, um diário requer uma entrega total, um rigor, uma disciplina, de que não sou capaz.
Tenho medo, medo de voltar a escrever incessantemente e rasgar tudo o que escrevo. Medo, medo de ouvir aquilo que não se ouve a não ser quando escrevo, como se o corpo todo estremecesse pela última vez.
...
1 de Fevereiro
visitam-me de manhã muito cedo, os mortos, vêm de um espaço onde imaginei cenas de um futuro longíquo. Vêm envoltos em pedaços de noite, luzem na água medrosa dos dedos. Visitam-me de manhã, estes espectros fugidos de algum limbo ou dalgum sonho. Vêm devagar pela estilhaçada luz das paredes, derramam lâminas para dentro do meu corpo, acordam-me para a tremenda claridade do dia.
Não tenho medo da visita dos mortos.
2 de Fevereiro
é preciso continuar acordado e ter consciência disto, manter-me acordado para que nada de perca e tude se transmude, mesmo que dolorasamente.
Este medo secreto de endoidecer, ponho-me a amar aquilo que não amo, a vida parece fazer uma trégua, é menos cruel. Acontece-me sempre assim: amar o que já não amo e dá-me sono, e sonho com aquilo que ainda não amei, durmo profundamente.
Al Berto
Excertos de O Medo
Assírio e Alvim
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…um dia começarei a redigir um diário, mas ainda é cedo, um diário requer uma entrega total, um rigor, uma disciplina, de que não sou capaz.
Tenho medo, medo de voltar a escrever incessantemente e rasgar tudo o que escrevo. Medo, medo de ouvir aquilo que não se ouve a não ser quando escrevo, como se o corpo todo estremecesse pela última vez.
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1 de Fevereiro
visitam-me de manhã muito cedo, os mortos, vêm de um espaço onde imaginei cenas de um futuro longíquo. Vêm envoltos em pedaços de noite, luzem na água medrosa dos dedos. Visitam-me de manhã, estes espectros fugidos de algum limbo ou dalgum sonho. Vêm devagar pela estilhaçada luz das paredes, derramam lâminas para dentro do meu corpo, acordam-me para a tremenda claridade do dia.
Não tenho medo da visita dos mortos.
2 de Fevereiro
é preciso continuar acordado e ter consciência disto, manter-me acordado para que nada de perca e tude se transmude, mesmo que dolorasamente.
Este medo secreto de endoidecer, ponho-me a amar aquilo que não amo, a vida parece fazer uma trégua, é menos cruel. Acontece-me sempre assim: amar o que já não amo e dá-me sono, e sonho com aquilo que ainda não amei, durmo profundamente.
Al Berto
Excertos de O Medo
Assírio e Alvim