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2004-07-14

 


Duas mulheres em Praga

- Nunca sairia desta cozinha - disse Maria José -, é como se estivéssemos em Praga.
- Em Praga?
- Sim. Não conheço Praga, mas imagino-a com ruas estreitas e pátios interiores. Gosto das ruas que parecem corredores.


Juan José Millás é um dos meus autores favoritos pela forma como mistura a realidade com a ficção e como explora os sentimentos dos personagens nessas duas vertentes. Este livro, nesse aspecto, é uma verdadeira obra-prima e é, de certa forma, o corolário de todas a restante obra dele, a forma como se mistura o que aconteceu com o que não aconteceu mas poderia ter acontecido.

- Se tivesse tido filhos - disse, o mais velho teria agora vinte e cinco anos.

As personagens, Luz Acaso, Maria José, Álvaro Abril e o narrador, parecem saídas do mesmo universo onde Almodovar, no cinema, desencanta as dele. Mas a literatura permite, mais que o cinema, uma dualidade de histórias. Ou seja, os dois lados da vida: o real e o ficcionado.

Disse-lhe que todos nós fantasiámos, uma vez ou outra, com a possibilidade de sermos adoptados, e expus-lhe sem indicar a proveniência, que havia só dois tipos de literatura e talvez duas espécies de existência: a dos que se sentiram estranhos dentro da sua própria família e a dos que estavam convencidos que lhe pertenciam.

E é sobre estas duas possibilidades, a vida vivida e aquela que não se chegou a viver mas que se fantasiou que versa o livro. Por vezes a imaginação parece mais real do que a própria realidade. Álvaro Abril bem sente essa dificuldade ao tentar escrever a biografia de Luz Acaso:

Então ela moveu os olhos em direcção ao aparelho e disse:
- Estás a gastar fita inutilmente.
(...)
- Não - disse ele -, a fita está a gravar o teu silêncio, que vale tanto como as tuas palavras.
- Como contarás os silêncios na minha biografia? Com páginas em branco?


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