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2005-04-21

 
Há um ano "postavamos" assim...
Memórias de Farol


O post segundo...

José Saramago


O café era como qualquer outro café que o leitor pode encontrar na cidade. Cenário provável para a entrada da rapariga, pois de uma rapariga se tratava, àquela hora da manhã. O rapaz, já sentado, café à frente e olhar pousado no infinito, era igualmente vulgar pelo que se poderia perguntar qual a razão deste post, uma rapariga a entrar num café, um rapaz a já lá estar assim como o empregado, eslavo pela certa, mas de quem não vale a pena perder tempo a descrever dado pouco ser mais que um mero figurante, ainda que louro e de olhos azuis, diria que sim, bonito, mas que na dimensão deste post, que já se alonga e ainda mais com estas palavras, não tem espaço para entrar.
A rapariga senta-se e pede um café, e o tom da sua voz faz levantar os olhos ao rapaz, olhar repentinamente desperto, pensamentos interrompidos se é que se pode dar esse nome a uma ou duas ideias difusas que lhe entretinham a mente.
A rapariga ao beber o café tem que erguer o olhar, assim como a chávena, para não entornar, e eis que os olhares se cruzam, comunicam, perguntam um ao outro, Vamos dar uma volta, responde o outro ao primeiro que sim, e ei-los levantados, os corpos que não os olhares, e saem de mãos dadas do café, deixando-me a mim e ao leitor, arredados da continuação desta história que ainda agora mal começou e já tem de terminar, tão abruptamente, regras dos posts, força da internet, ou falta de perícia do autor.


José Luís Peixoto

O café.
O rapaz dentro do café.
Os pensamentos tristes dentro do rapaz dentro do café.
Os olhos que se baixam e olham para dentro de dentro de si, sem respostas, só perguntas.

A rapariga.
A rapariga a abrir a porta do café, muito depressa e a sentar-se na cadeira de madeira puída. Na beira da cadeira, quase em desequilibro.

O empregado de um país distante ergue os olhos para a rapariga, como se fosse fazer uma pergunta. Uma pergunta que não chega a fazer pois a rapariga na sua pressa não lhe dá tempo – um café – pede.

O rapaz.
O rapaz dentro do café ouve aquela voz que lhe soa como se fosse um som muito conhecido mas muito distante. Um som que lhe faz lembrar as brincadeiras com a sua irmã mais nova ou a voz da mãe, cristalina, a chama-los para a mesa. O rapaz a levantar os olhos para ver de onde provinha aquela voz e a rapariga a erguer os olhos com a chávena na mão. Os olhos a cruzarem-se e com os olhos, a cruzarem-se as emoções, os desejos, os pensamentos e uma vontade expressa na voz da rapariga: Vamos dar uma volta.

As mãos que se dão e que se tornam o primeiro contacto entre os dois fazem surgir um sol muito forte lá fora que os recebe de braços abertos.


Mia Couto

Manhã solheira traz a moça gingando para dentro do café. O rapaz lá dentro, entregue a uns pensatristes não ergue os olhos para ela.

Ela não repara, olha para o empregado louro e acafeza-se no pedido. O rapaz, pele escura e dentes brancos, ouve naquela voz os sons da madrugada a espantar bichezas do mato. Levanta o rosto e sorri-se a boca. Entreolham-se os dois mas é ela que se levanta, com a elegância de uma gazela bailarina, e com um sorriso bota estas palavras para fora:

- Vamos dar uma volta ?

O rapaz, afirmativo, levanta-se num desassossego e saem os dois, porta fora, para a benção do pai sol.


Margarida Rebelo Pinto

Ela já vai apressada, entra no café e senta-se numa cadeira cruzando as pernas compridas e morenas, fruto de muito solário e doses maciças de creme.
Olha para o empregado, giraço, mas com cara indisfarçavel de ucraniano.

O rapaz, veste um polo vermelho e traz uns jeans azuis, desbotados que lhe ficam a matar. Tens uns olhos muito escuros daqueles que provocam arrepios quando nos olham directamente. Está sentado na mesa à frente, mergulhado em pensamentos e dores de alma e não dá pela agitação causada pela entrada intempestiva dela.

Pelo canto do olho, a rapariga olha para ele e aprecia-lhe os cabelos encaracolados em madeixas castanho escuras e, mais abaixo, os jeans bem apertados.

- Um café se faz favor.

Ao som da sua voz, ele ergue os olhos e olha para ela directamente provocando-lhe um ligeiro arrepio na espinha. Sem querer acreditar no que está a acontecer e a sentir-lhe o chão a fugir debaixo dos pés, ela dá pela sua boca se abrir, e dizer:

- Vamos dar uma volta.

Os dois saem de mãos dadas, a dele muito escura, a dela clara e bem cuidada mas ligeiramente húmida de excitação.

Post de 21.04.2004 por Pedro

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