2006-02-25
D’este viver aqui neste papel descripto
Cartas da guerra
Confesso que hesitei antes de pegar neste livro que compila os aerogramas enviados por Lobo Antunes à sua mulher nos seus tempos na guerra colonial em Angola. No entanto o entusiasmo demonstrado pela amiga que me emprestou o livro fez-me lê-lo.
A história de Lobo Antunes só não é igual a tantos outros jovens portugueses que recém-casados foram empurrados para uma guerra com a qual não concordavam e que se sentiram isolados dos seus familiares, longe de tudo e de todos, em condições degradantes, porque, apesar de tudo, Lobo Antunes, como médico, era um priveligiado.
As saudades pela mulher que deixou em Portugal (na metropole) grávida daquela que viria a ser a sua primeira filha são patentes ao longo de toda esta correspondência, bem como o seu desejo de vir a tornar-se alguém no panorama literário português.
Primeiro que tudo quero dizer-te que gosto tudo de ti, em mais este domingo separados um do outro e sinto a tua falta todos os dias muito e muito.
A história cá vai coxeando. Se calhar não presta, mas não quero ser como as pessoas de que lá falo que, depois de mortas, se transformam em duas datas separadas por um traço de subtracção.
Ler a correspondência de alguém, que ainda por cima conhecemos enquanto figura pública, torna-se um pouco voyeurístico mas ajuda realmente a conhecer a forma como os dias se arrastavam pelo mato de África. Claro que existe uma auto-censura permanente e certos assuntos não são abordados ou só o são indirectamente.
A maior parte das coisas não as posso contar, e as minhas opiniões sobre esta guerra não devem ser escritas. Isto é tudo diferente do que aí de pensa, escreve e diz, e eu não tenho esclarecido por motivos óbvios.
Penso no entanto que esta é mais uma obra que se junta a todas aquelas que finalmente rompem o tabu de falar sobre a guerra colonial. Existem muitos esqueletos por retirar dos armários e é preciso falar das coisas para arrumá-las nas prateleiras da história.
Recomendo por isso a sua leitura, mas como documentário e não como obra literária, obviamente.