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2006-02-08

 
Os Cartoons Malditos


Não, não vou publicar nenhum cartoon sobre Maomé, embora disponha de umas quatro dezenas deles. Confesso que, depois de os ver, não me fizeram rir e considero mesmo alguns de muito mau gosto. Mas o problema não está na apreciação estética nem no pretenso humor que deviam emanar. Acho que a polémica que tem gerado tem de ser entendia numa tripla perspectiva: a religiosa, a política e a liberdade de expressão.
Em termos religiosos, embora seja agnóstico militante – como gosto de me afirmar -, respeito a fé de cada um. Das principais religiões, que tenho tentado conhecer, nenhuma apela à guerra ou ao terrorismo, e a islâmica, na sua pureza, também não. Mas as religiões, mesmo criadas por homens bons, dão azo a diferentes interpretações. Todos estudámos as cruzadas, as atrocidades cometidas em nome de Deus. Hoje, confrontamo-nos com uma corrente fundamentalista que usa o Corão para justificar o terrorismo.
Quando se junta a religião à política, e nisso se baseia o próprio Estado, a Teocracia absorve em nome de um Deus todos os direitos, liberdades e garantias. Vive-se e morre-se em função de um paraíso, mais ou menos, terreno ou hiperbolizado. Mas, mesmo nos Estados não teocráticos, a religião pode ser usada como trampolim para o combate político. Aproveitando as carências mais básicas, refundindo os princípios da crença e da fé, afunilados para um objectivo, concreto, preciso, quase sempre fatal.
A nossa liberdade acaba onde a dos outros começa. Princípio estafado, mas certo. Âmago da democracia, sistema, por vezes, perverso, mas o melhor, até hoje, que conhecemos. A liberdade de expressão, designadamente, a de imprensa, contém-se (ou deve conter-se) nesses limites. Os excessos dirimem-se na Justiça. Porque, sendo livres, não há censura. Mas pode haver bom senso. Não é uma medida objectiva, apenas o sentir, face a uma perspectiva de cultura globalizada, das sequelas de uma atitude, individual ou colectiva, que possa provocar o desagrado ou a indignação de terceiros.
Falamos da tolerância, mas pouco a praticamos. As xenofobias emergem, consequência das crises económica e social, provocadas por um sistema liberalista feroz, com tendência para a autofagia, e face à multiculturalidade que se foi instalando um pouco por todo o Ocidente. Gerir estes fenómenos exige, mais do que tolerância, sabedoria, participação e partilha. Porém, sempre sem cedências a fundamentalismos e, sobretudo, sem perda de identidade. É que prefiro os excessos da liberdade do que as boas intenções dos ditadores, sobretudo em nome de um Deus qualquer.

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