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2006-04-27

 


Joaquim mentia com quantos dentes tinha na boca. O que, no caso dele, não era muito. Afinal só lhe restavam dois dentes, um em cima e outro em baixo. Desencontrados, mas não tão distantes que não lhe permitissem rasgar o pão com torresmos com que matava o bicho todas as manhãs.

Era nesses instantes, e perante a audiência reduzida que comungava da hora matinal na Casa do Povo, que Joaquim contava uma e outra história, por vezes repetindo-se na trama, mas inventando sempre novos pormenores, detalhes suculentos, que prendiam a atenção dos habitantes da aldeia.

Depois, com vagar que a pressa é inimiga da idade, levantava-se e ia dar as suas voltas, dar de comer aos coelhos e às galinhas e esforçar o que lhe restava das costas, com um enxó na mão a retirar batatas da terra.

Foi então que as águas se agitaram, maus espíritos cercaram a aldeia ou aconteceu o que tinha de acontecer que às vezes as histórias já estão escritas e apenas aguardam a sua hora para virem a lume. O certo é que o Ti Manel, homem de nenhumas falas, levantou o cajado uma e outra vez até esborrachar a cabeça já sem cabelos do seu compadre. Como abutres apareceram a televisão e os jornais, aqueles que vocês já sabem e que se pelam por qualquer morte sangrenta, ainda que num canto perdido para trás do sol posto.

Joaquim ganhou pinta de artista e presença assídua nos media nacionais, passou de reformado a correspondente local e amplou a sua audiência. Claro que tudo isso já passou, que mesmos os crimes de sangue chegam a um momento e deixam de chamar a atenção, mas foi o necessário para que novas e deliciosas histórias, com pivots e jornalistas de premeio, fossem enriquecer o reportório, já gasto, do Joaquim lá na Casa do Povo.

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