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2006-05-23

 
O Conselheiro Pereira

É um homem normal, se é que há gente assim. Apesar dos cinquenta e tais, contam-se, pelos dedos, os cabelos brancos numa cabeleira castanho-escuro farta. Boa figura ainda, destoando apenas as olheiras e uma certa proeminência do ventre, menos pelos finos e mais pela falta de locomoção ou de braçadas, que ginásio nunca fora com ele.
Nunca soubera porquê, mas, pelos vistos, inspirava confiança. Colegas, amigos e até gente de que nem lembrava o nome, abeiravam-se, metiam conversa e, em menos de uma frase completa ou com jeito, estavam a pedir-lhe conselhos. Ia metendo umas ”buchas” enquanto desfiavam a vida, os problemas, os desejos e as angústias de sempre, para concluir que a vida é complexa mas que é nisso que reside a sua beleza, que a felicidade só se experimenta após a provação, donde se deve relativizar as coisas, para concluir que, afinal de contas, valia a pena viver.
Uma filosofia simples, compreensível, objectiva. Mal sabiam os outros que o Conselheiro Pereira vivia consumido em conjecturas existencialistas e que os conselhos que dava - ou melhor, ia omitindo -, só aumentavam o seu distanciamento do mundo real. Ao cabo de uns bons anos, compreendeu, finalmente, que nunca dera conselhos a ninguém, apenas se limitara a ouvir. A depressão que parecia inevitável deu lugar a uma contida realização. É que também percebeu que a solidariedade não reside em apontar caminhos, apenas em ajudar a encontrá-los.

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