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2006-06-19

 


Contos de adúlteros desorientados

Trata-se de uma colectânea de pequenos contos e crónicas de Juan José Millás editada pela Temas & Debates.

No seu estilo muito próprio de humor e critica social, Millás taz-nos diferentes histórias que tomando como base o adultério correspondem a verdades bastante diversas. Desde o adultério assumido, ao platónico ou ao feito com o própio conjuge.

Na verdade fala-se sobre o amor, a ternura e o sexo. Mas fala-se também sobre as vidas vazias ou as vidas que face a determinado acontecimento ganham novos rumos.

Deixo aqui dois pequenos trechos para vos deixar de saliva na boca. O primeiro do conto “Um homem pervertido” onde aquilo que pode ser considerado perversão é no mínimo estranho e outro de “Uma falta íntima” onde Millás mostra o seu talento de escritor, descrevendo o acto amoroso que é algo estranhamente dificil de fazer sem cair em lugares comuns.

Ela olhou-o um pouco intrigada, pedindo-lhe que mostrasse o dinheiro antes de começarem.
- Quando eu tiver visto o dinheiro, explicas-me como gostas de cavalgar.
O homem deu-lhe umas notas, e disse que gostaria que vissem televisão os dois, de mão dada, por uns instantes.
- Imagina – explicou – que é domingo à tarde e que estamos sozinhos em casa, sem crianças, a ver televisão.
Ela ficou um pouco tensa.
- Tu não serás um pervertido ? – perguntou.
Ele explicou-lhe que passava a vida a viajar, sempre de um lado para o outro, e que de vez em quando gostava de fingir que estava em casa, junto da mulher.
- Pois olha, pede à tua mulher que veja televisão contigo. A nós pedem-nos coisas normais. Os loucos como tu começam por ver televisão e acabam por armar uma cena de violência doméstica.

(...)

Suavemente, deslizei entre os lençois e comecei a acariciá-la com a nostalgia, a tristeza e a felicidade com que um ancião acariciaria a criança que fora um dia. A mulher, longe de opor alguma resistência, deixava-se tocar com uma passividade feroz, repleta de gemidos que pareciam sair de todas as aberturas do seu corpo. Esta húmida como as paredes de uma gruta, suave, modelável e morna. Explorei, ansioso, cada ponto do seu corpo, e, invadido pelo seu cheiro, pelo seu toque, pela sua ternura, pelos seus humores, arrastei-a para o interior do roupeiro, fechei a porta e fundimo-nos num abismo fora de qualquer compreensão, cheio de nada, excepto do seu grito e do meu, que encheu o roupeiro eprovocou o esvoaçar – sinistro e salvador – das roupas que o móvel continha.

Das nossas bocas de trevas não saiu uma palavra, os nossos olhos não chegaram a tocar o que viam as nossas mãos, mas os nossos corpos formaram arquitecturas impossíveis, sonhos, acoplamentos em que a sua necessidades e a miha ficaram unidas para sempre.

Quando o desejo enfrqueceu, surgiu o carinho, como surge a perfume de uma pétala apertada entre os dedos.

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