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2006-06-14

 


Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar.

Eu sou a voz incómoda que não se cala.
Que te diz que para além do Mundial e da porra das novelas existe Guantanamo.
Que te lembra que cada morto no Iraque não é apenas um flash noticioso de cinco minutos na abertura de cada telejornal.
De cada telejornal que perde mais tempo a discutir o último casamento falhado da princesa não sei das quantas.

Eu sou aquela voz irritante do grilo que não mata mas moi.
A voz que descobre no sorriso feliz de cada criança a imagem apagada de todas aquelas para quem o sorriso é uma miragem que cai do céu em caixotes de arroz atirados de um helicóptero de uma ONG.
Sou a voz que pergunta quanta parte dessa ajuda vai parar a quem faz a guerra.

Eu sou a voz incómoda
A voz que não esquece e que se pergunta amargurada se pode ser mais do que apenas a estúpida de uma voz que ninguém ouve. Que pergunta se pode ganhar braços. Braços que segurem os corpos enforcados em celas de Guantanamo e que calem as obscenidades de quem chama ao desespero um acto de guerra.
Braços que cultivem a terra lado a lado com quem mais precisa. Braços que ajudem sem paternalismos. Braços que distingam a caridade da solidariedade.

Eu sou a voz triste que por vezes fala, que já não incomóda, que se repete, se entristece e nada faz. Eu sou a voz inconsequente do desespero da impotência. Eu não queria ser uma voz. Eu queria ser um mar de esperança e de alegria, de luta e de força. Queria ser um mar de sustento, um mar que apenas banhasse a alma dos homens bons. Que lhes desse alento e esperança, que fosse espelho, que obrigasse cada homem a ver o outro lado, que obrigasse cada um a conhecer o outro, a perceber, a conviver.

Eu sou a voz falsa e afónica. Eu não sou nada. Eu sou a voz que fala mas não age. Sou a medra do grilo falante sem os poderes da fada azul.


Título de um poema de Sophia de Mello Breyner Andersen
Foto de Neal Curley

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